14.3.07

Sampa no walkman

Olhando pela janela do avião, a única coisa que eu vejo é uma densa névoa branca que, segundo o comandante da nave, poderá provocar turbulências médias durante o vôo.

Confesso que não faço a mínima questão de descobrir a intensidade das fortes. Os avisos para manter os cintos apertados continuam acesos e a expressão da aeromoça sentada a minha frente, na entrada do avião, não é das mais confortantes. Nunca tive medo de avião. Mas graças à mídia, não paro de pensar em Lost e na possibilidade infeliz de algum outro avião se chocar contra o meu. Diga-se de passagem, antes da decolagem foi anunciado que o vôo atrasaria em virtude do grande tráfego pelas bandas de Curitiba. Putz, já pensou ser atingido por um avião transportando um time do Paraná? Fora o Atlético Paranaense, todos se encontram na segunda divisão, o que seria uma vergonha. Nenhum craque no time, nenhum motivo para uma grande repercussão. Mas ah, esqueci que a Ana Hickmann está no mesmo vôo que eu, isso sim daria notícia.

Quando criança, achava que em uma queda, se desse um pulinho pouco antes do elevador, avião ou qualquer outra coisa na qual estivesse dentro, poderia me safar de sofrer com o impacto da gravidade. Na verdade, nunca passei por uma situação que precisasse testar essa teoria, que depois de alguns anos e uma faculdade, começo a considerar meio furada, já que muito provavelmente acabaria sendo atingida por alguma gorda voando sem rumo pela aeronave.

Estou indo para São Paulo participar de uma reunião, coisas de publicitário. Vou lá, com um tênis colorido e o cabelo embolado, falo alguma meia dúzia de maluquices e ganho o cliente. Parece absurdo? Também acho. Mas por incrível que pareça, muitas vezes acaba funcionando. Alguns empresários sustentam o estigma de que profissionais de criação devem ser loucos para serem competentes. Estereótipos a parte, não consigo parar de pensar em Lost. Acabo de identificar, na poltrona ao lado, um velho careca IGUAL ao Locke. MEDO. Um janotinha duas poltronas a frente lembra o Jack. Se for médico, pelo menos teremos alguém para fazer torniquetes e suturas. Corro o olho pelo corredor e percebo um casal oriental mais pro fundo do avião. É nesse momento que eu vou ficando apavorado. A turbulência aumenta e eu começo a me arrepender de ter aceitado um sanduíche embutido de mortadela oferecido pela aeromoça que lembra a Pam Grier – sim, em Jackie Browm, óbvio. O comandante anuncia que a tal névoa se trata de uma frente fria. Fria e violenta.

Bom, depois de 1h20 de estômago embrulhado, finalmente o avião pousa em Congonhas. Ufa, não foi dessa vez. Se fosse pra cair, que pelo menos isso acontece em alguma praia de Santa Catarina. Cair no interior de São Paulo não deve ser muito legal, não. Imagina cair ao lado de um rodeio? Bom, talvez acertássemos o ônibus do Bruno e Marrone. Não, melhor não. Ficar perdido em um rodeio não deve ser legal.

Desembarque. Bagagens na esteira A. Corredores sem fim no aeroporto. Táxi. Trânsito tipicamente paulistano. Papo sobre o tempo com o motorista. Ele descobre que eu sou gaúcho depois de um BAH. Papo sobre gaúchas com o motorista. Sim, sim, tem bastante mulher bonita lá. Sim, sim, em qualquer lugar. Lá em casa tem duas, só pra tu ter uma idéia. Jardins. Conhecer os colegas de São Paulo. Sento em frente ao computador pra falar com o pessoal de Porto Alegre.

Olho pela janela e a única que eu vejo é uma densa névoa cinza que paira sobre a 9 de Julho. É, do começo ao fim, São Paulo é assim. E eu continuo pensando em Lost, porque ainda tem a viagem de volta. Vou lá comprar um pára-quedas na 25 de Março e já volto.