18.5.07

Bota camisinha pra foder

À medida que a noite da última quarta avançava, a impressão era de que não passava de mais um dia de merda, frio, chuvoso e infeliz, com uma atuação desastrosa do imortal tricolor em Montevideo. Bota pra fudê. E eu achando que deveria ter ficado em casa, lendo poesia beatnik e bebendo vinho barato. Final de jogo, uma dezena de latas de cerveja amassadas sob os meus pés e uma vontade de mandar o mundo se foder. Bota pra fudê. Eis que o Leo Tissot larga uma piadinha, apenas mais uma entre tanta merda que se falou durante o jogo – que também foi de merda.

- Até que não seria má idéia aquele show da Camisa de Vênus agora. Bota pra fudê.

Como eu não sei brincar, levei a sério e nos mandamos para o Opinião. Bota pra fudê. E chegando lá, o ingresso era mais caro do que eu tinha ouvido na rádio, e eu parei e pensei e vi que não tinha saída, o estacionamento já estava pago e eu não ia colocar dez mangos no lixo.

Não tenho nenhum disco da Camisa de Vênus, mas sempre achei o Marcelo Nova uma puta velha do rock nacional, com atitude e conteúdo e, principalmente, rock and roll. Bota pra fudê. E foi isso que rolou em cima do palco: uma banda de senhores na casa dos cinqüenta anos usando muita distorção e pentatônicas bem colocadas, e eu só pensava em que pé anda o cenário musical do Brasil, com um monte de bandas ruins, um monte de gente babaca falando merda na mídia e sendo aclamada por um bando de idiotas que engole qualquer coisa desde que algum idiota formador de opinião diga que é COOL, HYPE ou DESCOLADO.

Uma banda de rock legítima, com um frontman totalmente integrado com seu público, e com um público fiel que cantou todas as músicas junto com a banda de rock. Bota pra fudê. Citações de Beatles, The Doors, Elvis e Led Zeppelin foram o recheio de luxo de uma apresentação impecável, de músicos competentes e igualmente integrados com o público. Bota pra fudê. Dava pra ver na cara deles que estava sendo realmente uma emoção foda tocar para aquele público, em Porto Alegre – por sinal, mais uma vez elogiada por uma banda de fora.

“Eu não matei Joanna D’arc” foi a coroação simples e definitiva de uma noite da qual eu não esperava nada, e eu me dei conta que a Camisa de Vênus é uma grande banda de rock. E que esse show salvou minha noite de quarta que estava fadada à depressão e às lágrimas por causa do jogo. E que BOTA PRA FUDÊ é o HEY HO LET’S GO do rock brasileiro.

15.5.07

Só no estilete

Centenas de milhares de brasileiros esmorecem pela árdua rotina de acordar antes do sol nascer para sair de casa todos os dias, para realizar trabalhos que às vezes beiram a total falta de bom senso. Condições de trabalho inimagináveis para os freqüentadores da classe média, tão habituados a criticar o enorme abismo existente entre a classe trabalhadora do Brasil e os seus representantes majoritariamente oficiais. Esquecem eles, ofuscados pelo brilho do holofote das grandes conquistas, que a imensa maioria das pessoas vive com muito menos do se pode aceitar – com base nos modernos valores difundidos diariamente pelo impacto do bombardeio midiático a que somos exponencialmente expostos – e com muito mais razões para não acreditar em mundo melhor e mais justo.(Charge do Henrique, fonte: www.morcego.blogger.com)

Pois bem, enquanto uns reclamam de barriga estufada - como o senhor ministro da defesa Waldir Pires que, em um ato de “justificada” indignação com os benefícios oferecidos pelo seu “árduo” trabalho, questionou a sabedoria e o bom senso crítico da população em um entrevista para algum programa da Grande Rede. Depois de pagar TODAS as suas (nada) humildes contas básicas do mês, lhe sobravam apenas CINCO MILREAIS.

Já ouvi algumas histórias reais, seja em mesa de bar ou de copo em copo, de famílias bem numerosas que vivem com muito pouco dinheiro. Quase nada, comparado aos meus e aos seus padrões. Quinhentos reais por mês podem sustentar mais de quatro neguinhos, branquinhos, brasileirinhos. O que define o entendimento da vida de cada um? Suas referências, o programa que o pai assiste todos os dias, as sagradas novelas que a mãe e tia vêem todos os dias, as notícias deste ou daquele jornal. Verdades enlatadas e distribuídas abarrotadas para uma sociedade que foi ensinada a fazer escolhas de consumo desde cedo.

O que este senhor ministro merece a mais que aquele cara que acorda todo dia às quatro da manhã pra pegar o ônibus às cinco, chegar no trabalho às seis, honrar o seu papel de pai de família até às seis da tarde, pegar um ônibus lotado, caminhar até o súper para fazer aquele ranchinho da noite e chegar em casa cheio de amor pra dar para a mulher, os filhos, a sogra e aquele cunhado pentelho que bebe tua ceva e pega tua camiseta emprestada depois de traçar a tua irmã para encarar o churrasco clássico de domingo com jogo do grêmio na TV. Sim, ele também curte a família, assim como tu, privilegiado que pode estar em frente a um computador acessando a Internet com uma velocidade bem menor do que aquela que tu queria, mas bem mais prático que 30 anos atrás, quando o teu pai tinha que mandar um telegrama cantado no dia dos namorados, já que não rolava fazer um vídeo no celular, editar no computador e botar no YouTube pra todo mundo ver.

Onde este senhor ministro, escolhido por uma corja de sem-vergonhas que já estamos todos carecas de ver em noticiários, gasta o seu SUADO dinheirinho, ninguém quer saber. A pergunta que não cala é POR QUE nem todo mundo recebe aumento no salário, ganha mais benefícios, regozija de grandes mordomias, por mínimas que sejam. POR QUÊ, enquanto toda a população convive com a miséria – vide a relação entre um cidadão voltando do trabalho pra casa em seu carro popular e um cidadão paria da sociedade fazendo malabares em uma esquina qualquer para esmolar alguns trocados em troca de uma performance típica do povo brasileiro, a de se VIRAR NOS TRINTA.

Parabéns, seu Waldir. Se o senhor começar a anotar seus gastos, vai ver que dá pra economizar mais um pouquinho. Apertando daqui e soltando bem pouquinho dali, caminha a humanidade. Pelo menos aqui em terra brasilis, onde se arrastam crianças pelo asfalto impunemente.

14.5.07

O papa é pop pra caraio

Começava a chover quando, na sexta-feita retrasada, meu chefe me chamou para a missão de comprar dois paus-com-corda (vulgo violão baratinho), só pra galera poder rolar um som entre uma campanha e outra. O trânsito, que já é ruim às cinco e pouco da tarde, estava foda mesmo, agravado pela chuva e pela vontade irrefreável de motoristas insandecidos de ir pra casa logo e encerrar a semana de uma vez, com uma lata de ceva e uns amassos na patroa. Quase chegando ao centro, já entrando na onda de reclamar daquela tranqueira, escutamos em uma rádio qualquer que dava as notícias da visita do papa que São Paulo se encontrava na mesma situação climática, e com quase 200 km (ou será mais?) de engarrafamento causado pelo furdúncio católico-apostólico-romano que se instaurara na cidade nos últimos dias.

Carái! Uma cidade imobilizada por fiéis, curiosos, alienados, muita imprensa e muita gente que nem sabe o que está acontecendo em plena sexta-feira. Isso é que é ser POP. Nem os Rolling Stones causaram tanto alalaô lá no Rio de Janeiro quando fizeram o tal mega-show para mais de UM MILEÃO de pessoas na praia de Copacabana. Será que são os Beatles realmente mais populares que Jesus Cráiste? Olha que o homem já está na parada de sucessos há mais de 2000 mil anos, contra uns 40, 45 dos Beatles.

A visita do papa é a prova disso. A mesma sensação de torpor causada pelo rock e pelas grandes bandas, onde todo mundo canta, grita, chora, pula, brinca, agita é tão evidente no público religioso quanto no mais ardoroso fã de um banda de heavy-metal. A diferença é impressionante, já que a maioria de uma população de mais de 180 milhões brada amor eterno AO SENHOR. Essa estatística pode ser facilmente transportada para uma pesquisa de audiência de um jornal da GRANDE REDE. Quantas centenas de milhares de pessoas ficaram letargicamente grudadas na frente do televisor acompanhando toda a cobertura da visita do papa é um número inversamente proporcional ao índice de cara-de-pau e sem-vergonhice dos deputados federais, que no meio de toda essa celebração dos valores da Igreja, anunciaram um aumento de 30% em seus já faraônicos salários, finalizando o saldo da putaria em nada menos que DEZESSEIS MILEQUINHENTOS melequentos reais, o que dá muita, mas MUITA grana por ano. Muito mais do que jamais a maioria vai ganhar em DÉCADAS.

Mas acho que, no fundo, essa maioria anda feliz da vida. Afinal de contas, o PAPA está aí, abençoando as nossas terras, as nossas lavouras, os nossos cidadãos com seu discurso atualizadíssimo e seu carisma inigualável. Enquanto isso, nos bastidores da bunda a orgia orçamentária corre solta na vala. Amém.