28.8.07

Elevador

Acordei encharcado de suor, em um movimento brusco, tentando agarrar alguma coisa que não fazia parte da realidade em que acabara de entrar novamente. Olhei ao redor, buscando elementos que me acalmassem e logo vi o pôster do Jack Nicholson atrás da porta, com aquela cara insana do Iluminado. Ufa, escapei mais uma vez. O sonho que deixei para trás não fora apenas mais um pesadelo desconexo e claustrofóbico. O mesmo sonho que tenho desde pequeno, com algumas variáveis (pessoas e sentimentos, devidamente atualizadas de acordo com o andamento da minha vida), e eu sempre acordo no mesmo ponto.

É sempre difícil lembrar de detalhes, pois assim que a realidade invade a minha mente, as memórias se esvaem como areia em um dia de vento forte. O elemento invariável do meu sonho é um elevador. Ele muda de formato, às vezes é quadrado, de pouca capacidade, às vezes é grande, com bastante profundidade. Com portas de metal prateado, daquelas que abrem da direita para a esquerda. Invariavelmente faltam botões que deveriam estar ali, naturalmente. Quase sempre me leva para lugares que eu nunca imaginei, onde eu me deparo com coisas surreais, como o inferno, ou com pessoas que há muito já não fazem mais parte da minha vida.

Quando era criança, este elevador me levava quase sempre para um andar intermediário entre o 9º e o 10º andar, seguindo uma lógica meio Hogwarts, antes mesmo de J.K. Rowling pensar em criar o Harry Potter. Um nível inexistente para pessoas normais, acessível apenas ao meu inconsciente. Uma porta para encontrar respostas que não estão em computadores ligados a uma matriz localizada em outra dimensão, muito antes do filme O Décimo Terceiro Andar, do Josef Rusnak.

Muito tempo atrás, o andar 9,5 podia ser acessado por uma pequena porta, pela qual eu me esgueirava com a curiosidade de um garoto pré-adolescente. Por vezes haviam umas diabinhas bem gostosas me esperando, prontas para me proporcionar poluções noturnas. Não me lembro muito bem, mas quase sempre acaba ouvindo coisas que tinham muito a ver com alguma situação que estava vivenciando naquele momento. Recordo que tentava, quase sempre em desespero, apertar o botão no andar em que morava, o sexto, e este nunca estava no seu lugar. Números trocados, outros desaparecidos. Eu sempre acordava dentro do elevador, tentando voltar.

O elevador do meu último sonho era grande, com bastante profundidade, pois pela primeira eu não estava sozinho dentro dele. Lembro-me que estava em uma festa, na qual se fizeram presentes muitos de meus amigos. Não era uma festa minha, pois haviam muitas, muitas pessoas (realmente) estranhas. Um grande salão, com uma enorme porta de entrada, pela qual se podia enxergar a rua. Um grande gramado verde em contraste com um céu escuro, com tonalidades que iam do púrpura até o amarelo claro. Algumas nuvens e nenhum carro estacionado na rua. Muitas pessoas dançando, caminhando. Não lembro da música.

Corta para o elevador. O andar? Vigésimo sétimo. Para baixo. Lá estava eu novamente a caminho do inferno. Porém, para minha surpresa, quando a porta abriu, descemos, eu e meus desconhecidos companheiros de viagem, em outra festa. O ambiente era simplesmente o mesmo, mas as pessoas eram totalmente diferentes. Mais gente conhecida, mais amigos. Me lembro de conversar coisas sem nexos com pessoas das quais eu recordo mas que não mantenho muito contato.

De uma hora para outra, lá estava eu novamente no elevador, indo para andares diferentes, encontrar pessoas de várias fases da minha vida. Parava um pouquinho, conversava um pouquinho, voltava para o elevador. Décimo sétimo, novo, quarto, todos estes andares abaixo do numero 1. Algo como um negativo.

Por fim, me vi deitado no elevador, como se estivesse bêbado. Alguns desconhecidos me faziam companhia, igualmente bêbados e prostrados, sem nada falar ou fazer. De repente vi que seus olhos eram negros, e que seus vultos começavam a ficar igualmente escuros. Um som indecifrável tomou conta do elevador e o desespero começou a tomar conta. A porta começou a ficar mais longe. Olhei para o marcador do elevador, um painel preto com os números em vermelho e percebi que estava voltando ao nível positivo da realidade.

Foi quando acordei, mais uma vez.